O AMANHÃ FOI EMBORA...
E ME DEIXOU SÓ COM O AGORA, 2021
Tabalho desenvolvido para o 31º Programa de Exposições do Centro Cultural São Paulo a partir de uma reflexão sobre obsolescência programada, concepções de tecnologia e obsessões por futuros. Através de uma narrativa pessoalizada, em cima de minha própria trajetória, assumo que meus trabalhos em GIF, apesar de serem inéditos, já são obsoletos. O Amanhã, essa entidade tão desejada, almejada, planejada, como um amante, se vai, e me deixa sozinha com o que efetivamente tenho: o Agora.
Instalando-se no espaço de câmara escura que fica no centro do andar expositivo, para este trabalho pinto-a interna e externamente de preto. Pela primeira vez, este cubo aparece como um “cubo preto”. Tento assim cutucar a tradição do cubo branco e tudo o que o envolve, física e conceitualmente, como modelo a ser seguido. Em suas paredes trazem escrito, também em preto, ...E ME DEIXOU SÓ COM O AGORA, complemento da frase que dá nome ao trabalho, e que só com o reflexo da luz, no adesivo, é possível ler. A estética dos pixels nas palavras, quadrados, compondo as paredes do cubo, brincam com o tridimensional do próprio objeto.
Dança de Iku, 2016-2021
impressão digital em tecido, acrílico
Na entrada da sala, o trabalho “Dança de Iku” (2016-2021) convida quem chega com ummovimento de despedida. Iku, divindade da morte no panteão yoruba, anuncia em presságio o assombro dos tempos. A morte paira nessa escuridão desenhada pelos pixels transformados de um GIF que gravo em 2016, envolvendo um momento pré-pandêmico com o hoje. Em dois tecidos semi transparentes, reproduzo através do material e da cor, o movimento que gerou aquelas imagens, em que me cubro de um tecido verde chromakey gerando uma silhueta amorfa que, através dos frames dispostos lado a lado, escreve no espaço-tempo um alfabeto dançado pelo invisível.
Atravessar, 2014 (à esquerda)
GIF, papel vegetal e espelho
Na espreita da porta, vê-se “Atravessar” (2014), trabalho em que jogo com a ideia de dimensão e perspectiva, à medida que utilizo duas câmeras simultâneas (celular e webcam) para fazer o movimento de uma mão, que atravessa de uma para a outra a tela, “rasgando” a imagem e deixando seu rastro de pixels verdes, a partir de um registro do erro do programa em que edito essa imagem em movimento. Este trabalho é exibido num papel vegetal pendurado na sala, e sua transparência atravessa o papel até um espelho posicionado perpendicularmente na parede situada atrás, refletindo assim numa terceira superfície-dimensão.
Caminhei em sonho dormido caminhos de imensidão, 2021, Instalação
Poema manual em espiral, arquivo transformado para impressão 3D, impressão em acetato, impressora 3D e areia
Vista do trabalho no início e no meio da exposição
A virtualidade do espelho também é motivo para a instalação “Caminhei em sonho dormido caminhos de imensidão” (2021). Para discutir as tecnologias digitais, penso no virtual e sua ancestralidade, que a rigor, para a física, é a imagem, refletida tradicionalmente pelo dispositivo espelho. Tecnologia milenar, o espelho transforma-se a partir do grão de areia que vira vidro. Neste trabalho, transformo um poema escrito à mão em forma de espiral num arquivo tridimensional, e em seguida o adapto para a leitura numa impressora 3D. Neste processo de tradução maquínica, o poema vira um conjunto de pontos que são “impressos” virtualmente pela impressora que, sem material, apenas reproduz seus movimentos de impressão no ar. Enquanto faz esse movimento, um monte de areia está posicionado em sua bandeja, e a agulha da impressora faz seus riscos invisíveis nesse monte que vai sendo derrubado, empurrado, alterado e destruído por essa máquina. Abaixo de onde está a impressora, mais um grande monte de areia rodeia a instalação, metonimizando a ação que acontece ali mesmo, no micro, que é reverberada pelos barulhos dos movimentos da impressora, que se altera cada vez que os grãos de areia gradativamente entram e danificam seu circuito.
Em toda a sala, há uma luz que pisca sem parar em cima dos objetos que só são iluminados por esse movimento binário de sim e não, quase de um equipamento quebrado, que apenas ilumina parcialmente, à lembrança de postes queimados e cenários
abandonados pelo tempo. Também habita este espaço um som de mar e de ondas que batem e voltam num movimento contínuo (eterno?) numa praia.
Carrinho na lagoa, 2006, GIF
Captura, 2016, GIF
Fotos: DESNA
Acompanhamento crítico: Amanda Carneiro
Comissão curatorial: Sandra Benites, Paulete Lindacelva, Thiago de Paula Souza, Hélio Menezes e Maria Adelaide Pontes